domingo, 27 de março de 2011

Visões do País

O País, visto por quem o vê muitas vezes de longe. E muitas vezes, quem vê de longe, já se sabe, vê melhor. Tiago Salazar, aqui:

"O país está a saque, mais do que nunca, e muito lamento que de tanto termos de viajantes não nos dê para aprender com as viagens. Sermos um país pobre é de sempre, sobretudo de espírito. Saímos há 500 anos atrás da riqueza. E assim continuamos, ultrapassados pelos estónios que mal ultrapassam o milhão. Alguns safaram-se em África, os mais cabeçudos e negreiros. Dar, por cá, só dá o negócio dos bifes. Vive-se, a solo, da capacidade de trabalho e do improviso. Vive-se com dinheiro incerto, e, estacas de um futuro precário, num país anedótico, de bimbos e pacóvios. E depois, acreditar, acreditar, ousar, ousar, contra os papões marchar."

sábado, 12 de março de 2011

Um país à beira de um ataque de nervos

Um protesto. 300 mil pessoas. A mim, comoveu-me, como já referi a uma ou outra pessoa. Mas aqui, tarde ou cedo - e foi mais tarde que cedo, convenhamos -, chegaríamos sempre. Já o Zeca cantava "Não me obriguem a vir para a rua gritar". E eles vieram. E gritaram. Embora não tenham vindo senão (quase) "obrigados" -como o Zeca também previu. Mas aqui não há vitória.
Isto comove, atenção: pessoas com cartazes a dizer "Experimentem viver com 500 euros" ou "Experimentem viver à rasca"estão mesmo a sugerir (quem não sabe, e há muito quem, infelizmente, saiba) que se experimente a angústia em que eles vivem 365 dias por ano. E quem, de filhos ao colo, reclamou um futuro melhor para eles (já não por si), também o fez sincera e legitimamente. E isto, porque isto sou eu e tu, sensibiliza. Comove.
Mas não há vitória. E se calhar não há vitória precisamente onde alguns a viram: nas 300 mil pessoas que saíram à rua. São muitos. São demasiados. Significam demasiadas coisas. É que a única coisa comum a estas 300 mil pessoas é serem portuguesas - ou estarem em Portugal, em última instância. Tudo o resto é diferente. Cada um reclama coisas diferentes.
Não deixa de ser irónico o facto de numa manifestação se juntarem pessoas apolíticas ou apartidárias, mas também de direita e de esquerda, militantes ou simpatizantes do PSD, CDS como do Bloco, PC e até, imagine-se, do PS. Ora isto traz um problema acrescido: sendo claros, muitas destas pessoas manifestaram-se umas contra as outras.
Embora a precariedade ou as dificuldades económicas de vária ordem sejam comuns a uma grande maioria, o facto é que cada um dos 300 mil reclama coisas diferentes e soluções diferentes. E pior: apontando os culpados da situação a que o país chegou, enganam-se redondamente. Os culpados não são os políticos. Embora também sejam, claro. Mas quem são os "políticos"? Que classe abstracta é esta? Deputados e governo, ok. Mas e os homens da nossa terra, os presidentes de câmara, os presidentes de junta de freguesia, também são culpados? À sua escala, são mais sérios ou competentes que os deputados ou o governo? E se alguns dos 300 mil presentes na manifestação tivessem sido "políticos" - e já excluindo a competência técnica - teriam tido mais bom senso, sentido cívico, responsabilidade, noção de serviço público do que os "políticos"? A resposta a esta pergunta - a avaliar pelos "políticos", mas também pelos empresários, pelos funcionários públicos, pelos trabalhadores por conta de outrém ou dos estudantes - é não. Porque políticos somos todos - é uma questão de oportunidade. Eles - os políticos, os maus, os culpados disto tudo - somos nós. Os políticos são maus? São. E os empresários, são bons? E os funcionários públicos? E os trabalhadores por conta de outrém? E os estudantes?
Naturalmente, há excepções. Na política, também. Mas o verdadeiro problema do País - e é um problema crónico, e que não está sequer em vias de resolução - é que nós, enquanto portugueses, enquanto cidadãos, não somos melhores do que os políticos como políticos. E assim, não há protestos que nos salvem.