quinta-feira, 30 de junho de 2011

Bujanovac: uma cidade partida aos bocados

Não há volta a dar: tudo a ver com escolhas. Para um estrangeiro em Bujanovac, não há outro caminho. Até a mais simples das acções do dia-a-dia envolve uma. Mais: uma escolha nunca é só uma escolha. Neste caso, uma escolha é quase uma tomada de partido – mesmo que não seja dita uma palavra acerca da tensão latente no ar (e, às vezes, são ditas algumas em surdina).
As questões pairam: devo ir a uma mercearia sérvia ou albanesa? Devo ir a um barbeiro sérvio ou albanês? Devo expressar-me em sérvio (as três ou quatro palavras que sei) ou (uma vez que não sei nenhuma em albanês) inglês? Devo encontrar-me com um conhecido ou amigo sérvio, albanês ou cigano? E apesar de tantas interrogações, no fim de contas, não há partidos a tomar. De todo. Sérvios, albaneses ou ciganos são igualmente simpáticos, afáveis, mas não há meio de resolver um problema que começa à nascença: apesar de Bujanovac ser uma pequena cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, não é tão fácil – mesmo... - assim encontrar um sérvio que conviva com um albanês ou vice-versa.
Numa cidade tripartida (com uma maioria relativa sérvia de cerca de 36 por cento da população e cerca de 30 por cento de albaneses e ciganos), o problema vem da formação. E tanto como dela, do seu espaço físico: Bujanovac conta com dois estabelecimentos de ensino diferentes, um albanês, outro sérvio. Naturalmente, com conteúdos programáticos diferentes e leccionado em línguas diferentes (sérvio e albanês). E diferentes são também os destinos destes jovens. Se, por exemplo, um jovem sérvio de Bujanovac quiser prosseguir estudos universitários, pode fazê-lo em vários sítios. Naturalmente, na Sérvia: Nis, Novi Sad ou Belgrado serão as hipóteses mais prováveis. Por maioria de razões, o mesmo não acontece com um jovem albanês de Bujanovac: desconhecendo a língua, ou pelo menos tendo uma formação de referência albanesa, um jovem albanês aspirante a universitário terá que prosseguir estudos em Pristina, no Kosovo, ou Tirana, na Albânia.
Bujanovac é, por isso, uma cidade partida. Até gente (jovem) que não se conhece – ou que nem conheceu qualquer tipo de conflito (que durou até 2001, nesta zona, a poucos quilómetros do Kosovo) – está destinada a caminhar lado a lado, semi-ignorando-se mutuamente, sem que o seu presente ou futuro se cruzem por qualquer outra razão que não o facto de viverem num mesmo espaço geográfico.

Um pós-pequeno almoço na vizinhança em Bujanovac

Uma manhã com café e rakia e dois dedos de conversa em - sendo optimistas - sérvio, com os vizinhos Siniša e Lazar Stevanovic. (Foto: Nicat Abbaszada)

Um casamento sérvio-lituano

(Foto: Nicat Abbaszada)

A mobilidade em Bujanovac é um improviso

(Fotografia de Nicat Abbaszada)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Uma refeição pode ser um acto de coragem

Uma refeição na Sérvia é um desafio. Nunca se sabe a que horas pode terminar. Um almoço, por exemplo, pode começar perfeitamente às duas da tarde e terminar às onze ou meia-noite ou uma da manhã. Mais: não só pode, aliás – é comum que aconteça. E isso talvez explique várias coisas: a primeira é que a Sérvia é o terceiro país no mundo com mais mortes por acidentes cardio-vasculares. Voltemos à refeição: um almoço ou um jantar na Sérvia começa impreterivelmente com uma (ou duas ou três) rakia, uma bebida sérvia – de quase todos os Balcãs, na realidade – feita à base de frutos como ameixa ou maçã, com um sabor intenso, mas agradável. Qualquer sérvio que se preze tem rakia feita em sua própria casa, e tomará como um insulto que um estrangeiro ou um visitante não a prove. Em matéria de consumo, há vários perfis: o normal é que se beba uma ou duas antes de uma refeição mas um verdadeiro sérvio achará risível que alguém – um turista, por exemplo - a tome como um shot. E é risível de facto: ao fim de um terceiro shot, essa pessoa estará a rebolar no chão. Pessoas mais velhas, no entanto, usam-no como o que em Portugal, e em particular no Algarve, chamariamos de mata-bicho: dois pequenos copos antes do pequeno-almoço são o segredo para 30 anos sem sequer uma gripe. A comida acaba por acabar de explicar a questão dos AVC's. Basicamente, a alimentação na Sérvia é baseada em churrasco (hamburguéres, bifes, salsichas), paprika e pão. E cerveja, naturalmente. Tudo em doses muito mais do que generosas. Um verdadeiro sérvio pode comer durante horas a fio. E é por isso que é comum dizer que na Sérvia, um homem a sério tem de ter pelo menos 90 quilos. Pessoalmente, ainda estou um pouco longe de ser um, mas a este ritmo, qualquer pessoa lá chega.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A minha segunda vez

Há quem diga que a primeira vez é especial. Esta foi a minha segunda. Em Belgrado, esclareça-se. A primeira foi uma fugaz estadia de três dias, vincada por um relativo stress turístico e por uma bagagem pesada que me marcou indelevelmente as costas. Nisto do turismo – principalmente aquele à japonesa, de fotografar tudo e mais alguma coisa -, querer ver tudo normalmente resulta em não ver nada (ou pelo menos, e o que é mais importante, não conhecer nada). O que trouxe na memória da primeira vez, que foi há relativamente pouco tempo, cerca de um ano - para além da correria - foram as mulheres bonitas e uma fortaleza com uma vista para os rios Danúbio e Sava que me parece ser - e é, de facto, confirmado à terceira - um dos meus sítios favoritos no mundo.
A segunda vez foi ontem. Também em turismo (relativo), mas por minha conta e risco. Depois de três voos desgastantes (e um último turbulento, a partir de Zurique, onde tinha por companhia uma sérvia obesa que se benzeu pelo menos uma dúzia de vezes durante o voo) aterrei no Nikolas Tesla. Depois de recolhidas as bagagens, seguiu-se por um ritual de assédio por parte dos taxistas, que trataram de me “explicar” as semelhanças entre eles e os seus camaradas de profissão portugueses: seis ou sete ofereciam-me boleia para Belgrado por 20 euros, depois 18, depois 15. Eu nem tinha euros – só dinares sérvios. Em último recurso, o taxista mais persistente ainda tentou avisar-me que naquele dia não haviam autocarros – confirmando de novo (e ainda mais) as parecenças com os seus companheiros meus patrícios -, perguntando de seguida qualquer coisa em sérvio a outro taxista, que confirmou rapidamente com a cabeça, que não, não havia autocarros para Belgrado. Eu disse que não havia problema e juntei-me a mais uma dezena de pessoas que por ali andavam. Em cinco, seis minutos, aparecia um autocarro. Olhei em volta. O taxista que me tentara enganar – com pouco jeito e também não muita convicção, confesso – já não andava por ali. Depois de vários minutos tentando fazer-me entender com um revisor sérvio pouco dado a línguas, e de alguns encontrões com as bagagens noutros passageiros, tinha bilhete comprado (por 120 dínares sérvios, qualquer coisa como 1 euro e 20) e estava on my way para o centro de Belgrado num autocarro que em Portugal teria parecido vagamente terceiro-mundista mas que, não obstante, tinha um televisor accionado. O percurso, relativamente curto mas com algum trânsito (cerca de uma hora) era totalmente desconhecido para mim, mas pareceu-me dizer mais da Sérvia e de Belgrado do que os três dias do ano passado. Já em Belgrado, vagamente perdido depois de sair do autocarro, uma rapariga sérvia olhou para mim e subitamente interpelou-me perguntando se precisava de alguma coisa. Respondi que não, estava apenas à procura de indicações para ir à estação de autocarros de Belgrado. No entanto, ela não me deu indicações. Foi antes comigo numa caminhada de 15 minutos ao sítio por que lhe tinha perguntado, fazendo uma muito simpática conversa de circunstância. Depois de chegarmos, apontou-me o sítio e despediu-se, apertando-me apenas a mão e pondo um despretensioso sorriso, como se andasse em Belgrado apenas para levar pessoas aos sítios onde elas precisam de ir. Dois minutos depois, quando ela já desaparecera por entre as ruas movimentadas, apercebi-me de que lhe devia ter pago uma cerveja – ou um sumo, ou uma água, ou... Dez minutos depois, enquanto bebia a minha Jelen de meio litro numa esplanada, com as bagagens pousadas, vendo passar os homens e as mulheres – principalmente, as mulheres, as mulheres! - apercebi-me de que (e não querendo parecer destruidor de frases feitas), a segunda vez já tinha muito mais encanto que a primeira. Belgrado já é uma das minhas cidades.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Se é para regressar, ao menos muda-se o fuso horário

Depois de um período de reflexão que terei, porventura, tomado demasiado à letra, serve esta comunicação para vos informar de que voltei ao activo aqui no Objecto Quase. Nos entretantos, andei pela mão com o "Deixem Falar as Pedras", do português David Machado, e o "Freedom", o livro da moda do escritor da moda, Jonathan Franzen. Ambos me satisfizeram bastante, à sua maneira - mas por agora, é tudo o que direi acerca.
A outra novidade (ai há uma novidade?) é que, a partir de ontem, o Objecto Quase mudou-se de armas e bagagens para os Balcãs, durante um período a definir. A razão é a participação num projecto de voluntariado na Sérvia patrocinado pela União Europeia, chamado "Reaching diversity: Promotion of intercultural dialogue, tolerance and understanding in Southern and Eastern Serbia". Devido a isso, durante os próximos três a quatro meses deverei andar por uma de três cidades: Leskovac, uma das maiores cidades do Sul da Sérvia; Bor, uma cidade mineira junto à fronteira com a Roménia e com uma grande comunidade cigana; ou Bujanovac, uma pequena cidade junto ao Kosovo - para a qual, por enquanto, me inclino a ficar. Por agora, parece-me que é tudo. Over and out.