sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Agora sem mãos: memória descritiva de um Sevilla - Real Madrid

Estádio Ramón Sanchez Pizjuán - 26 de Janeiro,

18h41 - Imediações do Estádio. Soam sereias, carros de polícia. Pessoas vestidas de vermelho correm na mesma direcção. Não parecem felizes. Algo as move num mesmo sentido. Ouve-se, em cântico: "Muere-te Mourinho! Muere-te Mourinho!". E logo depois: "Ese portugués, hijo de puta es! Ese portugués, hijo de puta es". À beira das barras de protecção, afastadas cerca de 50 metros do estádio, umas centenas de pessoas. O autocarro do Real Madrid chega, pára em frente à entrada lateral do estádio e descarrega calmamente os ocupantes -recebidos pelos presentes com mimos de toda a ordem.

19h06- Por entre os transeuntes, espreitam-se camisolas e possíveis apoiantes do Madrid. Pois bem, no los hay. No centro comercial ao lado do Estádio, passeiam-se jovens com camisolas do Barça, blusões do Man United ou até do Chelsea. Real Madrid? Pues, no. Ni uno solo.

19h13 - Controlo nulo à entrada do estádio, no que havia sido considerado um jogo de alto risco. Bilhete passado, ninguém a conferir sacos ou mochilas (e sacos e mochilas são coisas que espanhóis - lá iremos - levam para um estádio de futebol).

19h34 - Estádio compõe-se. Entram os guarda-redes para o aquecimento, primeiro Casillas, depois Palop - o primeiro vaiado e insultado, o segundo aplaudido. E de seguida as equipas.
Pergunto-me: Onde está a claque do Madrid?

19h55 - 45 mil sevillistas (44 mil, sejamos sérios) cantam o hino do clube, antes da entrada das equipas em campo, munidos de cachecóis, insufláveis e bandeiras de todos os tamanhos, tudo isto a ser agitado - assim haja, e parecia haver, mãos para tudo. Com o estádio já pintado de vermelho, no topo norte, onde moram os ultras sevillistas (Biris), rebentam duas ou três tochas. De seguida, monitores do estádio passam o anúncio da polémica, com os jogadores do Sevilla de pinturas de guerra na cara e um aviso: "Vamos deixar-te sem o título". Equipas sobem ao relvado.

20h00 - Jogo começa. Novos cânticos impulsionados que todo o estádio canta e sabe de cor, acompanhados de palmas. Pergunta, para dentro: Mas onde estão os madridistas?

20h07 - Sete minutos de jogo. Lassana Diarra, um jogador extraordinário de uma disponibilidade extraordinária - a fazer lembrar o bom velho Makelele -, vê o cartão amarelo. Ele terá pensado o mesmo que nós: não chego ao intervalo. A claque do Madrid, não sei o que pensou. Onde estará a claque do Madrid?

20h17 - Continuou a correr o mesmo, no entanto. E quando nada o fazia prever, aos 17 minutos, Karim Benzema, um avançado que é titular no Real Madrid por uma excepcional combinação cósmica, fez o mais que improvável. Tirou dois defesas do caminho e rematou para a baliza de Palop: 1-o para o Real. A pergunta tinha agora resposta: não havia claque do Madrid. Nem Ultras-Sur nem outra coisa. Mas haviam uns 20 rapazes até aí discretos a festejar na curva junto ao topo Sul. Com um golo de Benzema, dignaram-se a desfraldar umas pequenas bandeiras e deixá-las ao vento. Do lado dos sevillistas - uns poucos 44 mil - ouvem-se insultos para os da capital.

20h45 - Em cima do intervalo, Luís Fabiano parece introduzir a bola dentro da baliza de Casillas - que não está lá. Albiol, deitado dentro da baliza, afasta a bola dali. Não se percebe se a bola transpõe ou não totalmente a linha de golo - mas eu e os meus colegas de bancada achamos todos que sim. E ficamos indignados com isso: o fiscal de linha manda seguir e recebe uma chuva de perdigotos dos jogadores do Sevilla que lhe vão gritar a um simpático palmo da cara.

20h46 - Lassana regressa aos balneários sem ter sido expulso. Aguentou-se estoicamente, tentando não receber o segundo amarelo. Não se deixem enganar: é difícil para um jogador como Lass Diarra não ver cartões amarelos.

20h47 - Três em quatro dos espanhóis vêm munidos do seu saco de plástico e de lá tiram os seus mega-bocadillos pejados de jamón serrano, chorizo, anchovas ou calamares. Um ou outro traz pacotinhos roubados de maionese para juntar ao bocadillo. Começo a sentir-me indisposto.

20h59 - Segunda parte já começou. Mourinho dá mostras do seu sadismo e não substitui Lass Diarra. Di Maria, Gago e Marcelo fazem aquecimento desde o minuto 10 da primeira parte.

21h02 - Às tantas, Lass faz mão. O árbitro perdoa-lhe o amarelo. Mourinho chama Marcelo insistentemente. Marcelo pergunta: "Eu?" Mourinho assente: "Sim! Rápido!" Diarra sai de campo (e não é com duplo amarelo).

21h10 - Os cânticos dos sevillistas prosseguem, naturalmente. Por esta altura, já teriam passado pelo "Así, así, así gana el Madrid" e até pelo cântico para Iker Casillas: "Tu novia es una putaaa...".

21h24 - O Sevilla queria mesmo ganhar o jogo. Até o prometeu em vídeo. Mas com o correr do tempo percebe-se que a tendência seria sempre para o Real Madrid ampliar o resultado. Os esforços embatem na pouca lucidez de Cristiano Ronaldo - que parece mais interessado em provocar os jogadores e adeptos adversários do que em jogar bem futebol - e na ineficácia de Özil (apesar dos dribles à Zidane nada menos que mágicos).

21h48 - Uma criança de cerca de 12 anos está sentada sozinha nas escadas de acesso às bancadas. Embora não o ostente, o miúdo torce pelo Madrid. E dá pequenos gritinhos de entusiasmo quando Cristiano ou Özil se aproximam da área. Sevillistas olham para ele, virando-se para trás, com uma cara entre o nojo e de quem se prepara para dar um correctivo ao rapaz.

21h57 - Fim de jogo. Casillas no chão atingido por algo que não se percebe bem o que é (é uma garrafa...) visto eu estar do outro lado do estádio. Movimentações no relvado, ainda. Mourinho pareceu calmo o jogo todo, ao contrário do habitual. Sevillistas saem ordeiramente e de cabeça baixa.

Nota: Estas horas não estão correctas de todo - porque durante esta tarde eu não olhei para o relógio nem uma vez - embora possam aproximar-se da realidade. Tal como as horas, também o relato é bastante dúbio. Queiram os meus caros desculpar.


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