quarta-feira, 6 de julho de 2011

Até no meio do caos há esperança

O momento era inusitado. Por várias razões. Mas uma nova experiência sempre é uma nova experiência. A minha última por aqui foi o hitchiking. À “boleia” de uma amiga polaca veterana, arrisquei a tentativa. O primeiro trajecto era curto: de Bujanovac até à fronteira com a Macedónia. Um pulo: 30 quilómetros, se tanto – o que, para primeira vez de polegar em riste, não me pareceu tão pouco assim. Mas o melhor ainda viria. Cinco minutos depois, parava um carro.
O condutor era um albanês radicado na Suiça, de férias de Verão na “terra (o irónico que isto soa, falando de Bujanovac – e não é) natal”. No pouco que conseguimos comunicar, no nosso esforçado mas incipiente sérvio, e no seu esforçado, mas ainda mais inexistente inglês, acabei por reter a mais curiosa informação da curta viagem: o nosso amigável motorista albanês, proveniente de uma das zonas mais conflituosas da Ex-Jugoslávia, estava a dar-nos a ouvir - e é um fã absoluto de - música sérvia. E afirma-o, a quem o queira ouvir – não saberei nunca se o fará com o mesmo á-vontade entre compatriotas - com um sorriso nos lábios.
Quando saí do carro, junto à fronteira da Sérvia com a Macedónia, e me propus a passá-la, a pé, de mochila quase vazia às costas, tinha reforçado o meu parco optimismo antropológico.

Skopje, Macedónia

Veles, Macedónia: Uma cidade entre as escarpas dos Balcãs e os morros brasileiros

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Bujanovac: uma cidade partida aos bocados

Não há volta a dar: tudo a ver com escolhas. Para um estrangeiro em Bujanovac, não há outro caminho. Até a mais simples das acções do dia-a-dia envolve uma. Mais: uma escolha nunca é só uma escolha. Neste caso, uma escolha é quase uma tomada de partido – mesmo que não seja dita uma palavra acerca da tensão latente no ar (e, às vezes, são ditas algumas em surdina).
As questões pairam: devo ir a uma mercearia sérvia ou albanesa? Devo ir a um barbeiro sérvio ou albanês? Devo expressar-me em sérvio (as três ou quatro palavras que sei) ou (uma vez que não sei nenhuma em albanês) inglês? Devo encontrar-me com um conhecido ou amigo sérvio, albanês ou cigano? E apesar de tantas interrogações, no fim de contas, não há partidos a tomar. De todo. Sérvios, albaneses ou ciganos são igualmente simpáticos, afáveis, mas não há meio de resolver um problema que começa à nascença: apesar de Bujanovac ser uma pequena cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, não é tão fácil – mesmo... - assim encontrar um sérvio que conviva com um albanês ou vice-versa.
Numa cidade tripartida (com uma maioria relativa sérvia de cerca de 36 por cento da população e cerca de 30 por cento de albaneses e ciganos), o problema vem da formação. E tanto como dela, do seu espaço físico: Bujanovac conta com dois estabelecimentos de ensino diferentes, um albanês, outro sérvio. Naturalmente, com conteúdos programáticos diferentes e leccionado em línguas diferentes (sérvio e albanês). E diferentes são também os destinos destes jovens. Se, por exemplo, um jovem sérvio de Bujanovac quiser prosseguir estudos universitários, pode fazê-lo em vários sítios. Naturalmente, na Sérvia: Nis, Novi Sad ou Belgrado serão as hipóteses mais prováveis. Por maioria de razões, o mesmo não acontece com um jovem albanês de Bujanovac: desconhecendo a língua, ou pelo menos tendo uma formação de referência albanesa, um jovem albanês aspirante a universitário terá que prosseguir estudos em Pristina, no Kosovo, ou Tirana, na Albânia.
Bujanovac é, por isso, uma cidade partida. Até gente (jovem) que não se conhece – ou que nem conheceu qualquer tipo de conflito (que durou até 2001, nesta zona, a poucos quilómetros do Kosovo) – está destinada a caminhar lado a lado, semi-ignorando-se mutuamente, sem que o seu presente ou futuro se cruzem por qualquer outra razão que não o facto de viverem num mesmo espaço geográfico.

Um pós-pequeno almoço na vizinhança em Bujanovac

Uma manhã com café e rakia e dois dedos de conversa em - sendo optimistas - sérvio, com os vizinhos Siniša e Lazar Stevanovic. (Foto: Nicat Abbaszada)

Um casamento sérvio-lituano

(Foto: Nicat Abbaszada)

A mobilidade em Bujanovac é um improviso

(Fotografia de Nicat Abbaszada)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Uma refeição pode ser um acto de coragem

Uma refeição na Sérvia é um desafio. Nunca se sabe a que horas pode terminar. Um almoço, por exemplo, pode começar perfeitamente às duas da tarde e terminar às onze ou meia-noite ou uma da manhã. Mais: não só pode, aliás – é comum que aconteça. E isso talvez explique várias coisas: a primeira é que a Sérvia é o terceiro país no mundo com mais mortes por acidentes cardio-vasculares. Voltemos à refeição: um almoço ou um jantar na Sérvia começa impreterivelmente com uma (ou duas ou três) rakia, uma bebida sérvia – de quase todos os Balcãs, na realidade – feita à base de frutos como ameixa ou maçã, com um sabor intenso, mas agradável. Qualquer sérvio que se preze tem rakia feita em sua própria casa, e tomará como um insulto que um estrangeiro ou um visitante não a prove. Em matéria de consumo, há vários perfis: o normal é que se beba uma ou duas antes de uma refeição mas um verdadeiro sérvio achará risível que alguém – um turista, por exemplo - a tome como um shot. E é risível de facto: ao fim de um terceiro shot, essa pessoa estará a rebolar no chão. Pessoas mais velhas, no entanto, usam-no como o que em Portugal, e em particular no Algarve, chamariamos de mata-bicho: dois pequenos copos antes do pequeno-almoço são o segredo para 30 anos sem sequer uma gripe. A comida acaba por acabar de explicar a questão dos AVC's. Basicamente, a alimentação na Sérvia é baseada em churrasco (hamburguéres, bifes, salsichas), paprika e pão. E cerveja, naturalmente. Tudo em doses muito mais do que generosas. Um verdadeiro sérvio pode comer durante horas a fio. E é por isso que é comum dizer que na Sérvia, um homem a sério tem de ter pelo menos 90 quilos. Pessoalmente, ainda estou um pouco longe de ser um, mas a este ritmo, qualquer pessoa lá chega.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A minha segunda vez

Há quem diga que a primeira vez é especial. Esta foi a minha segunda. Em Belgrado, esclareça-se. A primeira foi uma fugaz estadia de três dias, vincada por um relativo stress turístico e por uma bagagem pesada que me marcou indelevelmente as costas. Nisto do turismo – principalmente aquele à japonesa, de fotografar tudo e mais alguma coisa -, querer ver tudo normalmente resulta em não ver nada (ou pelo menos, e o que é mais importante, não conhecer nada). O que trouxe na memória da primeira vez, que foi há relativamente pouco tempo, cerca de um ano - para além da correria - foram as mulheres bonitas e uma fortaleza com uma vista para os rios Danúbio e Sava que me parece ser - e é, de facto, confirmado à terceira - um dos meus sítios favoritos no mundo.
A segunda vez foi ontem. Também em turismo (relativo), mas por minha conta e risco. Depois de três voos desgastantes (e um último turbulento, a partir de Zurique, onde tinha por companhia uma sérvia obesa que se benzeu pelo menos uma dúzia de vezes durante o voo) aterrei no Nikolas Tesla. Depois de recolhidas as bagagens, seguiu-se por um ritual de assédio por parte dos taxistas, que trataram de me “explicar” as semelhanças entre eles e os seus camaradas de profissão portugueses: seis ou sete ofereciam-me boleia para Belgrado por 20 euros, depois 18, depois 15. Eu nem tinha euros – só dinares sérvios. Em último recurso, o taxista mais persistente ainda tentou avisar-me que naquele dia não haviam autocarros – confirmando de novo (e ainda mais) as parecenças com os seus companheiros meus patrícios -, perguntando de seguida qualquer coisa em sérvio a outro taxista, que confirmou rapidamente com a cabeça, que não, não havia autocarros para Belgrado. Eu disse que não havia problema e juntei-me a mais uma dezena de pessoas que por ali andavam. Em cinco, seis minutos, aparecia um autocarro. Olhei em volta. O taxista que me tentara enganar – com pouco jeito e também não muita convicção, confesso – já não andava por ali. Depois de vários minutos tentando fazer-me entender com um revisor sérvio pouco dado a línguas, e de alguns encontrões com as bagagens noutros passageiros, tinha bilhete comprado (por 120 dínares sérvios, qualquer coisa como 1 euro e 20) e estava on my way para o centro de Belgrado num autocarro que em Portugal teria parecido vagamente terceiro-mundista mas que, não obstante, tinha um televisor accionado. O percurso, relativamente curto mas com algum trânsito (cerca de uma hora) era totalmente desconhecido para mim, mas pareceu-me dizer mais da Sérvia e de Belgrado do que os três dias do ano passado. Já em Belgrado, vagamente perdido depois de sair do autocarro, uma rapariga sérvia olhou para mim e subitamente interpelou-me perguntando se precisava de alguma coisa. Respondi que não, estava apenas à procura de indicações para ir à estação de autocarros de Belgrado. No entanto, ela não me deu indicações. Foi antes comigo numa caminhada de 15 minutos ao sítio por que lhe tinha perguntado, fazendo uma muito simpática conversa de circunstância. Depois de chegarmos, apontou-me o sítio e despediu-se, apertando-me apenas a mão e pondo um despretensioso sorriso, como se andasse em Belgrado apenas para levar pessoas aos sítios onde elas precisam de ir. Dois minutos depois, quando ela já desaparecera por entre as ruas movimentadas, apercebi-me de que lhe devia ter pago uma cerveja – ou um sumo, ou uma água, ou... Dez minutos depois, enquanto bebia a minha Jelen de meio litro numa esplanada, com as bagagens pousadas, vendo passar os homens e as mulheres – principalmente, as mulheres, as mulheres! - apercebi-me de que (e não querendo parecer destruidor de frases feitas), a segunda vez já tinha muito mais encanto que a primeira. Belgrado já é uma das minhas cidades.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Se é para regressar, ao menos muda-se o fuso horário

Depois de um período de reflexão que terei, porventura, tomado demasiado à letra, serve esta comunicação para vos informar de que voltei ao activo aqui no Objecto Quase. Nos entretantos, andei pela mão com o "Deixem Falar as Pedras", do português David Machado, e o "Freedom", o livro da moda do escritor da moda, Jonathan Franzen. Ambos me satisfizeram bastante, à sua maneira - mas por agora, é tudo o que direi acerca.
A outra novidade (ai há uma novidade?) é que, a partir de ontem, o Objecto Quase mudou-se de armas e bagagens para os Balcãs, durante um período a definir. A razão é a participação num projecto de voluntariado na Sérvia patrocinado pela União Europeia, chamado "Reaching diversity: Promotion of intercultural dialogue, tolerance and understanding in Southern and Eastern Serbia". Devido a isso, durante os próximos três a quatro meses deverei andar por uma de três cidades: Leskovac, uma das maiores cidades do Sul da Sérvia; Bor, uma cidade mineira junto à fronteira com a Roménia e com uma grande comunidade cigana; ou Bujanovac, uma pequena cidade junto ao Kosovo - para a qual, por enquanto, me inclino a ficar. Por agora, parece-me que é tudo. Over and out.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Se isto é um jornal

« “É a coisa mais inesperada que podia esperar.” O poeta Manuel António Pina tinha acabado de saber que recebera o Prémio Camões, e esta frase foi a única que se lhe conseguiu arrancar sobre a atribuição do mais importante prémio literário de língua portuguesa. Em contrapartida, o PÚBLICO recebeu em primeira mão notícias detalhadas da ninhada de 4 gatinhos que uma sua gata recentemente recolhida na rua acabara de parir. São pretos e brancos e parece que já brincam uns com os outros.»
Isto, caros amigos jornalistas e não jornalistas, é um lead. Mas é um lead de um jornal que gosta de jornalismo e que sabe rir de si próprio. O que faz de si nada mais nada menos do que um jornal a sério. Parabéns PÚBLICO.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Livros e pessoas

Antes de mais, gosto de livros. Muito. De literatura, sim, mas principalmente de livros. Gabo-lhes as capas, as boas edições, o tipo de letra, o cheiro do papel, as páginas prontas a folhear pela primeira vez. Depois, o que eles significam: gostar de livros é gostar de muita coisa ao mesmo tempo. É, por exemplo, gostar de decoração: que melhor sugestão existe para dar cor e classe a uma casa? E depois, fundamentalmente, gosto de livros porque gostar de livros é também gostar de pessoas: elas são o espelho do que lêem. E os livros, quando bons, são também um retrato das pessoas. É por isso – por gostar de livros e de pessoas, de pessoas e de livros – que acho natural querer trabalhar no meio deles. Por entre pessoas e livros, livros e pessoas.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Geracion à la rasca - ou assim

A Geração à Rasca portuguesa - porque as há de outras nacionalidades, naturalmente, com outros nomes - explicada ao mundo em castelhano. Via Dixiti, magazine sediada em Buenos Aires.

"Todo comenzó en las redes sociales. Cuatro jóvenes portugueses, de poco más de 20 años, sintieron que sus preocupaciones debían ser escuchadas. A su escala, estos cuatro jóvenes son el espejo de su generación: no tienen empleo o si lo tienen es precario; sin posibilidades o esperanza; sin perspectivas de tener condiciones para formar una familia. Con este panorama, decidieron convocar a las personas (de 20 a 35 años, generación conocida en Portugal como la Geração à Rasca) que compartían sus mismos problemas, a una protesta en la calle.

Y aquí entraron en juego las redes sociales: la capacidad movilizadora de cuatro jóvenes anónimos y absolutamente desinteresados (sin ligaciones partidarias u otras afinidades) puede parecer nula. Pero no lo fue: a través de Twitter o Facebook, jóvenes y no tan jóvenes comenzaron a asociarse a la protesta, que inicialmente fue pensada en realizarse en Lisboa pero se fue expandiendo luego para otras diez ciudades del país (como Porto, Coimbra o Faro) y hasta fuera de Portugal (Barcelona, España).

Los números son aproximados: en total se estima que el 12 de marzo cerca de 300 mil personas salieron a la calle en Lisboa, más algunos otros millares en otras partes del país. Convocados a través de las mencionadas redes o del tradicional boca en boca, hubo gran variedad de concurrentes: jóvenes universitarios, becarios de investigación, gente de la tercera edad sin reforma, madres solteras, trabajadores precarios, desempleados o simplemente ciudadanos que sienten un futuro poco aventurero (y también el de sus hijos) o tal vez amenazado. Todos, en común, compartían un sentimiento: la necesidad de expresar su descontento y mostrarle al poder político que algunas cosas deben cambiar. El color, entre los manifestantes, apareció con carteles, música y tambores.

¿Qué resultará de esta protessta? Nadie lo sabe. En tiempos de pre-elecciones legislativas, con un gobierno resignado que pidió ayuda externa al Fondo Europeo de Estabilización Financiera, es sabido que quien consiguiera aunar las fuerzas y el anhelo de este descontento general puede obtener un buen resultado para formar un gobierno. Sin embargo, la característica de los electores más jóvenes es precisamente no creer en los partidos políticos existentes –de hecho, creen que en ellos reside la responsabilidad de haber llegado a este punto crítico-.
“Política sí, partidos políticos no”. Este podría ser el nuevo lema de una generación que se permite pensar de manera diferente a Portugal y parece mirar para la ciudadanía con otros (nuevos) ojos. El futuro del país, sumido actualmente en una crísis financiera grave, dependerá de la iniciativa y el ejecicio de una ciudadanía joven."

Se disser o que penso sobre este blogue a minha carreira acaba agora


Há dias assim. Amanhã é outro. Pode ser que se sobreviva.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Visões do País (2)

Um olhar diferente, a mesma acutilância. Pescado no mesmo sítio. O País, visto por Miguel Real.

"O povo continua rude, ignorante e crédulo. Um milhão de portugueses vai a Fátima todos os anos. Dois milhões vão aos estádios de futebol fanaticamente, com uma "clubite" de raiz tribal e divina. (...) As pessoas vão ao endireita e ao bruxo, mas não vão ao médico (...)."

"O professor Cavaco Silva é a pessoa mais ajustada às circunstâncias. Ajusta-se às conveniências da cena política e social a cada momento, é um homem sem ideias. Está há 25 anos no poder, mas se há 25 anos havia dois milhões de pobres, hoje há dois milhões de pobres."


domingo, 27 de março de 2011

Visões do País

O País, visto por quem o vê muitas vezes de longe. E muitas vezes, quem vê de longe, já se sabe, vê melhor. Tiago Salazar, aqui:

"O país está a saque, mais do que nunca, e muito lamento que de tanto termos de viajantes não nos dê para aprender com as viagens. Sermos um país pobre é de sempre, sobretudo de espírito. Saímos há 500 anos atrás da riqueza. E assim continuamos, ultrapassados pelos estónios que mal ultrapassam o milhão. Alguns safaram-se em África, os mais cabeçudos e negreiros. Dar, por cá, só dá o negócio dos bifes. Vive-se, a solo, da capacidade de trabalho e do improviso. Vive-se com dinheiro incerto, e, estacas de um futuro precário, num país anedótico, de bimbos e pacóvios. E depois, acreditar, acreditar, ousar, ousar, contra os papões marchar."

sábado, 12 de março de 2011

Um país à beira de um ataque de nervos

Um protesto. 300 mil pessoas. A mim, comoveu-me, como já referi a uma ou outra pessoa. Mas aqui, tarde ou cedo - e foi mais tarde que cedo, convenhamos -, chegaríamos sempre. Já o Zeca cantava "Não me obriguem a vir para a rua gritar". E eles vieram. E gritaram. Embora não tenham vindo senão (quase) "obrigados" -como o Zeca também previu. Mas aqui não há vitória.
Isto comove, atenção: pessoas com cartazes a dizer "Experimentem viver com 500 euros" ou "Experimentem viver à rasca"estão mesmo a sugerir (quem não sabe, e há muito quem, infelizmente, saiba) que se experimente a angústia em que eles vivem 365 dias por ano. E quem, de filhos ao colo, reclamou um futuro melhor para eles (já não por si), também o fez sincera e legitimamente. E isto, porque isto sou eu e tu, sensibiliza. Comove.
Mas não há vitória. E se calhar não há vitória precisamente onde alguns a viram: nas 300 mil pessoas que saíram à rua. São muitos. São demasiados. Significam demasiadas coisas. É que a única coisa comum a estas 300 mil pessoas é serem portuguesas - ou estarem em Portugal, em última instância. Tudo o resto é diferente. Cada um reclama coisas diferentes.
Não deixa de ser irónico o facto de numa manifestação se juntarem pessoas apolíticas ou apartidárias, mas também de direita e de esquerda, militantes ou simpatizantes do PSD, CDS como do Bloco, PC e até, imagine-se, do PS. Ora isto traz um problema acrescido: sendo claros, muitas destas pessoas manifestaram-se umas contra as outras.
Embora a precariedade ou as dificuldades económicas de vária ordem sejam comuns a uma grande maioria, o facto é que cada um dos 300 mil reclama coisas diferentes e soluções diferentes. E pior: apontando os culpados da situação a que o país chegou, enganam-se redondamente. Os culpados não são os políticos. Embora também sejam, claro. Mas quem são os "políticos"? Que classe abstracta é esta? Deputados e governo, ok. Mas e os homens da nossa terra, os presidentes de câmara, os presidentes de junta de freguesia, também são culpados? À sua escala, são mais sérios ou competentes que os deputados ou o governo? E se alguns dos 300 mil presentes na manifestação tivessem sido "políticos" - e já excluindo a competência técnica - teriam tido mais bom senso, sentido cívico, responsabilidade, noção de serviço público do que os "políticos"? A resposta a esta pergunta - a avaliar pelos "políticos", mas também pelos empresários, pelos funcionários públicos, pelos trabalhadores por conta de outrém ou dos estudantes - é não. Porque políticos somos todos - é uma questão de oportunidade. Eles - os políticos, os maus, os culpados disto tudo - somos nós. Os políticos são maus? São. E os empresários, são bons? E os funcionários públicos? E os trabalhadores por conta de outrém? E os estudantes?
Naturalmente, há excepções. Na política, também. Mas o verdadeiro problema do País - e é um problema crónico, e que não está sequer em vias de resolução - é que nós, enquanto portugueses, enquanto cidadãos, não somos melhores do que os políticos como políticos. E assim, não há protestos que nos salvem.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O fado explicado em castelhano


É a minha segunda participação nesta recém-criada magazine sedeada em Buenos Aires. Sobre o Fado - e o seu percurso e relação com este país que é o nosso. Entretanto, houve novidades sobre a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO - que já não aparecem reflectidos no artigo. Fica a intenção.

"En portugués se dice fado. No existe traducción posible en cualquier otra lengua, aunque la palabra en sí puede tener varios significados: un sentimiento próximo al dolor, el destino, la suerte, la imposibilidad… Pero tal como los múltiples sentidos del blues, también el significado más extendido del fado es un tipo de música tradicional con base en la voz, la guitarra clásica y la guitarra portuguesa (y algunas variaciones que pueden ser impuestas por instrumentos como contra bajo, violonchelo o violín) (...)"

Leiam mais. Aqui.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Declaração

A memória é bem traiçoeira. Nem queiram saber. Falo por mim: eu tenho uma memória de merda. Uma pessoa pensa e sente-se defraudada: são coisas simples, óbvias, qualquer gajo devia lembrar-se disto - e nada. Não contem comigo para isso da memória. Esqueço-me, pronto. Mas há pior. Um gajo pode perfeitamente não se lembrar de coisas que aconteceram - é uma disfunção normal, pronto, embora seja irritante.
Mas lembrar-se de merdas que não aconteceram - ou que, por exemplo, não se viveu -, isso mete um gajo noutro domínio: o domínio psiquiátrico. Ora imaginem que eu, agora, começava a contar - com pormenores - as minhas incursões na Revolução Francesa. De como foi bonito o 25 de Abril de 74. Como é que isto vos soava? Exacto. Mas bem, o problema é que isto não é tão inusitado assim. Eu, por exemplo, convivo com pessoas que sofrem deste problema: é gente que se recorda como se fosse hoje de um Benfica - Sporting de 1979 que acabou 3-2 para o Benfica. Isto gente que vem a nascer em 80 e troca o passo. Mas se formos distraídos, a coisa segue, nem damos por isso. Quem diz um Benfica - Sporting, diz um Farense - FC Porto, um Tirsense - Barreirense ou uma telenovela qualquer.
Vem isto a propósito de uma declaração. De amor. A minha memória é fraquinha mas permite-me opinar, com a propriedade possível: Ronaldo Nazário de Lima foi o mais extraordinário jogador de futebol que vi jogar. Não há iutúbe que me desminta. Ronaldo era estrela, mágico, portento, força da natureza. Fenómeno. Já está: 34 anos e muitos quilos (e golos, já agora) depois, alguns filhos (não se sabe bem quantos, se quatro, se dez), uma vasectomia e uns travestis. Do alto dos meus dez ou onze anos, aquilo que fez bastaria para ser o melhor de sempre. De longe.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Correntes d'Escritas 2011

A lista é longa - e pública - mas, para todos os efeitos, foi resgatada aqui. São os escritores confirmados nesta edição do Correntes d'Escritas, que decorre entre 23 e 27 de Fevereiro no sítio do costume, a Póvoa de Varzim.

António Victorino D’ Almeida – Portugal
Aurelino Costa – Portugal
Carlos Vaz Marques – Portugal
Carmen Yáñez – Chile
César Ibáñez París – Espanha
Conceição Lima – S. Tomé e Príncipe
Cristina Norton – Portugal
Daniel Mordzinski – Argentina
David Machado – Portugal
David Toscana – México
Eduardo Lourenço – Portugal
Fernando Pinto do Amaral – Portugal
Francisco Duarte Mangas – Portugal
Francisco José Viegas – Portugal
Gastão Cruz – Portugal
Ignacio del Valle – Espanha
Ignacio Martínez de Pisón – Espanha
Inês Pedrosa – Portugal
Ivo Machado – Portugal
João Gobern – Portugal
João Manuel Ribeiro – Portugal
João Paulo Borges Coelho – Moçambique
João Paulo Cuenca – Brasil
José Carlos de Vasconcelos – Portugal
José Jorge Letria – Portugal
José Manuel Fajardo – Espanha
José Mário Silva – Portugal
Júlio Conrado – Portugal
Juva Batella – Brasil
Karla Suarez – Cuba
Kirmen Uribe – Espanha
Luís Represas – Portugal
Luis Sepúlveda – Chile
Luís Silva – Portugal
Manuel Jorge Marmelo – Portugal
Manuel Rui – Angola
Maria Flor Pedroso – Portugal
Maria João Martins – Portugal
Maria Manuel Viana – Portugal
Maria Teresa Horta – Portugal
Mario Delgado Aparaín – Uruguay
Mário Lúcio Sousa – Cabo Verde
Mário Sousa Pinheiro – Portugal
Mário Zambujal – Portugal
Miguel Miranda – Portugal
Nuno Crato – Portugal
Nuno Júdice – Portugal
Onésimo Teotónio Almeida – Portugal
Patrícia Reis – Portugal
Paulo Ferreira – Portugal
Pedro Vieira – Portugal
Raquel Ochoa – Portugal
Ricardo Romero – Argentina
Ricardo Menéndez Salmón – Espanha
Rui Zink – Portugal
Uberto Stabile – Espanha
valter hugo mãe – Portugal
Vergílio Alberto Vieira – Portugal
Yvette K. Centeno – Portugal

Do caos também sai grande literatura


"A literatura nasce de muitos lados. E, por vezes, nasce também do caos. E foi aí – mais precisamente aos destroços do Furacão Katrina, em Nova Orleães – que Dave Eggers foi buscar pano de fundo para um narrativa não-ficcional sobre a tragédia, mas mais do que isso, sobre a história de um homem (e da sua família) levado numa enxurrada de violência, preconceito e injustiça. (...)"

Sobre um dos melhores livros publicados em 2010 em Portugal, "Zeitoun". Ler mais aqui.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Da razão e seus limites


"Camer e o inquérito. O problema é sempre este: és tu que estás na posse das perguntas - a minha liberdade é, pois, nula. Só posso responder. A idiotia comum é esta: a pessoa pensar que está livre porque pode responder, porque pode escolher. A grande diferença é esta: és obrigado a escolher: sim, não - e é essa obrigação que te rouba a liberdade mínima.
Nem prefiro não, nem prefiro sim. Pelo contrário. "

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Agora sem mãos: memória descritiva de um Sevilla - Real Madrid

Estádio Ramón Sanchez Pizjuán - 26 de Janeiro,

18h41 - Imediações do Estádio. Soam sereias, carros de polícia. Pessoas vestidas de vermelho correm na mesma direcção. Não parecem felizes. Algo as move num mesmo sentido. Ouve-se, em cântico: "Muere-te Mourinho! Muere-te Mourinho!". E logo depois: "Ese portugués, hijo de puta es! Ese portugués, hijo de puta es". À beira das barras de protecção, afastadas cerca de 50 metros do estádio, umas centenas de pessoas. O autocarro do Real Madrid chega, pára em frente à entrada lateral do estádio e descarrega calmamente os ocupantes -recebidos pelos presentes com mimos de toda a ordem.

19h06- Por entre os transeuntes, espreitam-se camisolas e possíveis apoiantes do Madrid. Pois bem, no los hay. No centro comercial ao lado do Estádio, passeiam-se jovens com camisolas do Barça, blusões do Man United ou até do Chelsea. Real Madrid? Pues, no. Ni uno solo.

19h13 - Controlo nulo à entrada do estádio, no que havia sido considerado um jogo de alto risco. Bilhete passado, ninguém a conferir sacos ou mochilas (e sacos e mochilas são coisas que espanhóis - lá iremos - levam para um estádio de futebol).

19h34 - Estádio compõe-se. Entram os guarda-redes para o aquecimento, primeiro Casillas, depois Palop - o primeiro vaiado e insultado, o segundo aplaudido. E de seguida as equipas.
Pergunto-me: Onde está a claque do Madrid?

19h55 - 45 mil sevillistas (44 mil, sejamos sérios) cantam o hino do clube, antes da entrada das equipas em campo, munidos de cachecóis, insufláveis e bandeiras de todos os tamanhos, tudo isto a ser agitado - assim haja, e parecia haver, mãos para tudo. Com o estádio já pintado de vermelho, no topo norte, onde moram os ultras sevillistas (Biris), rebentam duas ou três tochas. De seguida, monitores do estádio passam o anúncio da polémica, com os jogadores do Sevilla de pinturas de guerra na cara e um aviso: "Vamos deixar-te sem o título". Equipas sobem ao relvado.

20h00 - Jogo começa. Novos cânticos impulsionados que todo o estádio canta e sabe de cor, acompanhados de palmas. Pergunta, para dentro: Mas onde estão os madridistas?

20h07 - Sete minutos de jogo. Lassana Diarra, um jogador extraordinário de uma disponibilidade extraordinária - a fazer lembrar o bom velho Makelele -, vê o cartão amarelo. Ele terá pensado o mesmo que nós: não chego ao intervalo. A claque do Madrid, não sei o que pensou. Onde estará a claque do Madrid?

20h17 - Continuou a correr o mesmo, no entanto. E quando nada o fazia prever, aos 17 minutos, Karim Benzema, um avançado que é titular no Real Madrid por uma excepcional combinação cósmica, fez o mais que improvável. Tirou dois defesas do caminho e rematou para a baliza de Palop: 1-o para o Real. A pergunta tinha agora resposta: não havia claque do Madrid. Nem Ultras-Sur nem outra coisa. Mas haviam uns 20 rapazes até aí discretos a festejar na curva junto ao topo Sul. Com um golo de Benzema, dignaram-se a desfraldar umas pequenas bandeiras e deixá-las ao vento. Do lado dos sevillistas - uns poucos 44 mil - ouvem-se insultos para os da capital.

20h45 - Em cima do intervalo, Luís Fabiano parece introduzir a bola dentro da baliza de Casillas - que não está lá. Albiol, deitado dentro da baliza, afasta a bola dali. Não se percebe se a bola transpõe ou não totalmente a linha de golo - mas eu e os meus colegas de bancada achamos todos que sim. E ficamos indignados com isso: o fiscal de linha manda seguir e recebe uma chuva de perdigotos dos jogadores do Sevilla que lhe vão gritar a um simpático palmo da cara.

20h46 - Lassana regressa aos balneários sem ter sido expulso. Aguentou-se estoicamente, tentando não receber o segundo amarelo. Não se deixem enganar: é difícil para um jogador como Lass Diarra não ver cartões amarelos.

20h47 - Três em quatro dos espanhóis vêm munidos do seu saco de plástico e de lá tiram os seus mega-bocadillos pejados de jamón serrano, chorizo, anchovas ou calamares. Um ou outro traz pacotinhos roubados de maionese para juntar ao bocadillo. Começo a sentir-me indisposto.

20h59 - Segunda parte já começou. Mourinho dá mostras do seu sadismo e não substitui Lass Diarra. Di Maria, Gago e Marcelo fazem aquecimento desde o minuto 10 da primeira parte.

21h02 - Às tantas, Lass faz mão. O árbitro perdoa-lhe o amarelo. Mourinho chama Marcelo insistentemente. Marcelo pergunta: "Eu?" Mourinho assente: "Sim! Rápido!" Diarra sai de campo (e não é com duplo amarelo).

21h10 - Os cânticos dos sevillistas prosseguem, naturalmente. Por esta altura, já teriam passado pelo "Así, así, así gana el Madrid" e até pelo cântico para Iker Casillas: "Tu novia es una putaaa...".

21h24 - O Sevilla queria mesmo ganhar o jogo. Até o prometeu em vídeo. Mas com o correr do tempo percebe-se que a tendência seria sempre para o Real Madrid ampliar o resultado. Os esforços embatem na pouca lucidez de Cristiano Ronaldo - que parece mais interessado em provocar os jogadores e adeptos adversários do que em jogar bem futebol - e na ineficácia de Özil (apesar dos dribles à Zidane nada menos que mágicos).

21h48 - Uma criança de cerca de 12 anos está sentada sozinha nas escadas de acesso às bancadas. Embora não o ostente, o miúdo torce pelo Madrid. E dá pequenos gritinhos de entusiasmo quando Cristiano ou Özil se aproximam da área. Sevillistas olham para ele, virando-se para trás, com uma cara entre o nojo e de quem se prepara para dar um correctivo ao rapaz.

21h57 - Fim de jogo. Casillas no chão atingido por algo que não se percebe bem o que é (é uma garrafa...) visto eu estar do outro lado do estádio. Movimentações no relvado, ainda. Mourinho pareceu calmo o jogo todo, ao contrário do habitual. Sevillistas saem ordeiramente e de cabeça baixa.

Nota: Estas horas não estão correctas de todo - porque durante esta tarde eu não olhei para o relógio nem uma vez - embora possam aproximar-se da realidade. Tal como as horas, também o relato é bastante dúbio. Queiram os meus caros desculpar.


D'os Meus Livros


Já está nas bancas a revista Os Meus Livros de Fevereiro, que tem uma entrevista da minha autoria ao jornalista infiltrado espanhol Antonio Salas. O mote é o seu último livro, "O Palestiniano", editado em Portugal pela Planeta, mas vai (em cinco páginas) um bocadinho mais além. É ler.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Do Atlântico Sul

Depois da overdose de Castros e Seabras - e das incontáveis imbecilidades a propósito - e da confirmação da mais do que óbvia reeleição de Cavaco, afinal, ainda há motivos para sorrir. Saibam vossas excelências que Alexandra Lucas Coelho, brilhante repórter e autora de maravilhas como "Caderno Afegão" ou "Viva México", está no Brasil em serviço de correspondente para o jornal Público. Mais: tem silenciosamente prometido para breve um caderno escrito a partir de terras de Vera Cruz. Mas, para já, para já, a novidade é mesmo um blogue. Isso mesmo: um blogue. Este.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Leitura(s)


Bret Easton Ellis e o seu "As Regras da Atracção", (Teorema, 2010) é uma das actuais leituras. Não sendo um livro (e, parece-me, por enquanto, um autor) particularmente brilhante, o facto é que, à semelhança dos bons romancistas norte-americanos, Easton Ellis vai bem nos diálogos, normalmente curtos, lacónicos e frenéticos - como quase tudo neste livro.

"(...) Judy disse-me que a Roxanne lhe contou que o Sean vende drogas. Eu disse-lhe «Ao menos não faz breakdance». (...)" pp. 192

PS: Por lapso - e que belo começo de blogue, com lapsos... -, comecei por me referir, e citar, erradamente, o "Less than Zero" (Menos que Zero, também Teorema, 2010 - na nova edição) em vez d' "As Regras da Atracção". Feita a devida correcção, mea culpa, atirada a primeira pedras (e as seguintes), prossiguemos. Até ver.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Livro(s)

Coisas boas que ainda se vão fazendo em Portugal.

Da Argentina (e não só) para o Mundo: Dixit - como quem diz - e i - de informação


A vossa atenção para uma magazine de informação online sediada em Buenos Aires mas que se pretende venha a ser de abrangência mundial. Com correspondentes em vários pontos do Globo - incluindo este que vos escreve, a partir de Portugal - o (ou a?) Dixiti é já um filho da segunda década deste século XXI. Aqui vos deixo um excerto do artigo original (em português) que publiquei no "primeiro número" do Dixiti:

"Um País contra um Nobel da Literatura, José Saramago, ou a reconciliação (póstuma) à vista


A identidade de um país faz-se de muitas coisas: da sua geografia, da sua história, política e também – e nalguns casos, porventura, mais importante – das suas personalidades mais destacadas. Um escritor, por exemplo, pode ser o maior símbolo de uma nação – e, mesmo assim, ter uma relação tumultuosa com a mesma. A história está cheia de exemplos. E, normalmente, os problemas partem de motivos políticos: Milan Kundera e a República Checa ou Luís Sepúlveda e o Chile são só alguns dos escritores da actualidade com “ajustes de contas” com o seu país de origem.
Mas esta história não tem (só) a ver com política. Oriundo de uma família humilde (os pais e avós eram agricultores) nada em José de Sousa Saramago (nascido em 1922) fazia antever um futuro brilhante. Sem dinheiro para estudos universitários, frequentou o ensino técnico, após o que começou a trabalhar como serralheiro mecânico. Ao mesmo tempo, o seu interesse pela cultura e pela literatura avoluma-se: enquanto trabalha durante o dia, à noite frequenta bibliotecas e apaixona-se pelos livros. Aos 25 anos, José Saramago publica «Terra do Pecado», o seu primeiro romance, que acabou ignorado. Depois deste fracasso, o autor tenta publicar uma segunda obra, de nome «Clarabóia», que acaba rejeitada pelo seu editor – e que, devido ao facto, permanece inédita até aos dias de hoje. Saramago investe então na poesia, área em que publica cinco volumes – também relativamente mal sucedidos. No entanto, José Saramago consegue algum respeito no mundo editorial e passa a trabalhar na área da edição e, posteriormente, dos jornais: trabalha no Diário de Lisboa e no Diário de Notícias (DN).
Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, que acaba com o Estado Novo – uma ditadura imposta muitos anos antes, por António de Oliveira Salazar, então já falecido -, José Saramago volta ao DN como director-adjunto. O período que se seguiu à revolução, em que estava iminente a implantação de um regime afecto à União Soviética, lançava José Saramago, um iminente intelectual comunista, como o ideal para fazer vingar a revolução (também através da influência do mais importante jornal da época). Uma vez no cargo de director-adjunto do jornal, Saramago não deixou dúvidas em relação ao que queria para o futuro do país e do jornal. “O DN vai ser o instrumento, nas mãos do povo português, para a construção do socialismo”, escrevia. Mas nem toda a gente concordava com isto. Por isso, a 27 de Agosto de 1975, 22 jornalistas são despedidos por delito de opinião. “Informação revolucionária não se faz com jornalistas contra-revolucionários. Por isso, os que eram foram afastados”, justifica o DN em texto não assinado, mas da responsabilidade de José Saramago. Esta era a primeira polémica em que se via envolvido.
(...)"

Raios partam se o Messi não é o melhor de sempre

Mas a propósito de Literatura, façam favor de ver uma das coisas mais impressionantes desde o "Crime e Castigo" do Dostoievski (1866).

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

60 anos depois, um sueco blasfema


A maravilhosa personagem Holden Caulfield de J. D. Salinger vai sobreviver - ou sucumbir? - nas páginas de uma sequela inventada por um obscuro sueco chamado Colting. O livro chama-se "60 years later - Coming trough the rye" e vai voltar a ser distribuído depois de, há dois anos, o próprio Salinger ter impedido a sua publicação (nos Estados Unidos). Agora, com Salinger já falecido, o imbróglio parece desfeito: sabe-se que não haverá dedicatória ao autor e que a contaminação não chega, para já, aos Estados Unidos nem ao Canadá. Esperemos para ver se a heresia chega (e por que mãos) a Portugal. A história é apanhada ali, e depositada a propósito, aqui.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um início sustentado

A melhor maneira de começar um blogue - mesmo em 2011 - é aceitar as sugestões de quem realmente tem autoridade para as dar. Como por exemplo, o António Granado. Ele diz assim:

"1. Um blog tem de ser um compromisso sério e livre.
2. Um blog deve ter um tema e explorá-lo profundamente.
3. Blogar deve ser partilhar conhecimento e ter gosto nisso.
4. Postar com frequência deve ser uma preocupação.
5. Um blog é um espaço público, não é uma conversa de amigos.
6. Um blog tem uma voz própria e deve ser coerente com essa voz.
7. Antes de começar um blog, pensar duas vezes.
8. Vale a pena apostar num domínio próprio e brincar com as ferramentas.
9. Um blog pode ser a porta de entrada na profissão de jornalista.
10. Os blogs não estão fora de moda."

Se quiserem ler mais, e vale sempre a pena ler mais, vão directamente à fonte.

Posto isto, dizer que, e mesmo com tantas boas recomendações, provavelmente este blogue não as seguirá. Até ver.

sábado, 1 de janeiro de 2011